quinta-feira, 31 de julho de 2008

Direito à Educação


(I) Grávidas e escola: Sermos algo assim como
mais explícitos e exigentes?

É importante conseguir que educação assuma uma postura a este respeito, e que de facto a “medida” deixe de ser valida, pois temos necessidade de aprofundamento do processo de democratização do acesso ao ensino.

Pelo que circula e pelo que ouvimos constata-se que não existe uma postura política institucional que realmente reflicta o avanço nessa matéria. As pessoas ficam a discutir o assunto e se posicionam, em função dos estereótipos comportamentais ou em função do partido político que defendem: a actual Ministra da Educação apesar de ser publicamente conhecida pela sua vinculação à questão dos direitos humanos, na altura em que discutia-se a adopção da medida foi a favor da mesma e o ICIEG, menciona no PNIEG o facto, mas condiciona a tomada de posição a um estudo. Além disso, dizem que pronunciou publicamente no presente caso, mas deve ter sido de forma tão baixinha que quase ninguém ouviu.

Nas posições subjaz o facto da escola ser considerada um lugar sacralizado (nos recusamos a que os problemas sociais entrem, como se fosse possível pendura-los na porta de entrada como se de uma peça de vestuário se trata-se); e o facto da gravidez, ao constituir-se numa prova irrefutável do exercício da sexualidade, ofender a moral judaico cristã quando praticada fora dos marcos da conjugalidade: no tempo colonial era proibida a frequência das alunas grávidas à escola, mas essa proibição não tinha efeito caso a aluna (em causa) fosse casada.

Estive revendo novamente a Constituição e vi que o Art. 77º, (alínea 3) estabelece que “para garantir o direito à educação, incumbe ao Estado, designadamente: (a) garantir o direito à igualdade de oportunidades de acesso e de êxito escolar”.

Se invocamos esse artigo (conjugados com os do direito à educação) podemos ir um bocadinho mais a frente. Ele é vinculativo e é útil tanto para pressionar juridicamente o Ministério no sentido de eliminar a medida (por ser claramente inconstitucional), como para que crie oportunidades específicas para as raparigas grávidas, mediante o reconhecimento do direito ao gozo de uma licença de maternidade e o apoio escolar, caso seja necessário para garantir o êxito escolar delas.


(II) O discurso e as práticas

Estive consultando o Programa de Governo para 2006-2011. Encontrei este parágrafo que foi escrito para a elaboração do PND em 2001, mas que a partir de aí vem sendo reproduzido em praticamente todos os documentos oficiais sobre educação. Ele define o conceito de qualidade, partindo do paradigma de escola eficaz.

«Na senda da modernização, as mudanças deverão conferir qualidade ao sistema educativo. O conceito de qualidade engloba vectores de actuação do Governo, tais como a relevância das aprendizagens para a vida actual e futura do(a)s educando(a)s e da sociedade onde se inserem ; a eficácia ou capacidade do sistema em fazer com que a totalidade do(a)s aluno(a)s frequentem um nível de escolaridade no tempo previsto para tal; a equidade, que implica tratamento diferenciado para situações desiguais e, seguramente, mais apoio para aquele(a)s que mais o necessitam; e a eficiência ou a capacidade do sistema, em comparação com outros, atingir resultados superiores, com os mesmos ou menores recursos. A modernização pressupõe igualmente o aprimoramento das competências científicas e tecnológicas. // Neste contexto, o Governo propõe-se desenvolver programas de melhoria da qualidade e da equidade na educação, adoptando os seguintes princípios orientadores: // (i) Da qualidade, deslocando-se o foco para o processo e resultados da aprendizagem; // (ii) Da equidade, implicando uma grande sensibilidade institucional para as diferenças locais e sociais no acesso à educação, dando uma atenção especial às regiões e grupos sociais menos favorecidos…».

Como podem ver, em termos de intenções da política educativa, temos um discurso de “ponta”, contudo começa a amarelar, porque as acções não reflectem o discurso:
- Na educação pré-escolar, continua vigente (desde 29 de Dezembro de 1990), como uma nódoa indelével, uma disposição final e transitória que condiciona o acesso das crianças ao ensino básico com 6 anos, a dois anos de frequência ao jardim infantil. Esta condicionante, que vai contra o próprio conceito de educação básica, plasmado na lei (um ciclo único e autónomo, por tanto o acesso a ele não pode ser condicionado), não foi equacionada como medida, nem encontro nada referente a sua eliminação na implementação da politica educativa, o que viola o principio declarado de equidade, pois as crianças prejudicadas por esta disposição são crianças do meio rural ou do meio urbano, cujas famílias não tem condições económicas para garantir a frequência destas aos jardins infantis...

- No caso do ensino básico, que é obrigatório e universal, por um lado não se implementam novas medidas efectivas para garantir a obrigatoriedade, por outro essa obrigatoriedade está determinada pela escolaridade, e não pela idade. Neste momento se diz que vai ser alargada a obrigatoriedade de frequência até o 8º ano de escolaridade, mas pelo que estou podendo vivenciar, as questões são apenas discutidas burocraticamente sem aprofundarem na conceitualização, e sem ter uma visão holistica, pois este é o momento adequado para melhorar de facto o processo e democratizar o ensino, pelo que no podem esquecer a problemática do abandono e a faixa etária em que se produz. Também não se tem conseguido dar uma resposta minimamente eficaz a problemática das crianças com necessidades educativas especiais, apesar de falarem na questão, vão adoptando a nomenclatura internacionalmente adoptada para esta questão (por países que tem um outro percurso) ao discurso oficial, mas isto não se traduz em acções especificas ou numa discussão seria nesta matéria.

- No caso do ensino secundário existem vários factores que condicionam a igualdade. Este nível de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo é selectivo, porque está sujeito a critérios de entrada e permanência. Esses critérios se relacionam com a idade e com os resultados e claro temos ainda por cima a tal medida sobre as grávidas de 2001. Ainda funciona como um factor limitativo, os encargos da família com a frequência, entre os quais se encontram as propinas. Neste nível cada dia é maior o índice de abandono, e as causas mais invocadas são problemas económicos, desinteresse e insucesso.

A nível geral, discursivamente se fala agora na elaboração de um currículo por competências, aparecendo como a solução mágica. Novamente está-se agir sem uma discussão profunda, e o pior não se apresenta um projecto coerente, pois mudar o currículo sem mudar as condições de implementação não terá os efeitos pretendidos. Parece que estamos condenados a repetir erros: Em 1994 o currículo do ensino secundário foi desenhado tendo como base um figurino de funcionamento completamente diferente da realidade (turmas de 25 alunos, salas especializadas etc.), quando na verdade estávamos vivendo um processo de massificarão desse nível.

Por outro lado não se tomam em consideração as profundas desigualdades sociais existentes e continua-se batendo na tecla da sustentabilidade e na maior participação das famílias nos custos da educação.

Maritza Rosalbal