quinta-feira, 31 de julho de 2008

31 de Julho de ‘08 do século XXI, Dia das Mulheres Africanas e o Estado da Nação


A propósito da exclusão das alunas grávidas
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Esta nação, amigos, ainda alberga em si populares, intelectuais, quadros, políticos, mentalidades e cultura que aceitam, em pleno séc. XXI e numa democracia cheia de basofaria institucional mas ainda longe do PRM, que uma adolescente, por estar grávida, não pode continuar os estudos.
Jorge Carlos Fonseca, Jurisconsulto

Podemos procurar “estar na moda”, ter bons números para o ego e para a comunidade internacional; mas nunca, nunca seremos uma grande Nação, se não formos humanos nas nossas decisões – percepcionarmos o “outro” – e não respeitarmos as nossas normas fundamentais, a nossa gente e as suas necessidades.
Virgílio Brandão, Jurista

Desde o ano lectivo 2001-2002, através do despacho Orientações Gerais para uma Melhor Gestão da Questão da Gravidez nas Escolas, emitido pelo Ministério da Educação, Cultura e Desportos, sem a realização de um estudo prévio sobre a gravidez precoce e as estratégias para fazer face a este fenómeno que tem condicionado a vida de muitas jovens e adolescentes cabo-verdianas, as alunas grávidas passaram a ser formalmente convidadas por parte da direcção das escolas a abandonarem os estabelecimentos de ensino secundário, recebendo uma palmadinha nas costas de consolo e as pálidas palavras de que podem regressar para continuarem os seus estudos, mas «após a assunção dos deveres decorrentes da função da maternidade».

«(…) a suspensão temporária das alunas grávidas nos estabelecimentos de ensino, a partir do ano lectivo 2001-2002, é encarada pelo Ministério de Educação, Cultura e Desportos como uma das acções que visa conciliar os princípios constitucionais de protecção da maternidade e da infância com o da garantia, nas condições possíveis, do direito de acesso ao ensino e à formação. (…) uma oportunidade para a aluna/gestante poder, após a assunção dos deveres decorrentes da função da maternidade, retomar os seus estudos.»


A imposição desta medida suscitou muitas reacções contra a exclusão das alunas grávidas. Na altura, a Dra. Lígia Dias Fonseca, Bastonária da Ordem dos Advogados, apresentou fortes argumentações contra esta medida, deixando de rastos a ala defensora da expulsão. A Associação de Mulheres Juristas e outras associações cívicas ou profissionais não pouparam esforços em questionar esta discriminação, tendo acrescentado argumentações desde a inconstitucionalidade da medida até um plano mais íntimo e psicológico, sem esquecer a vulnerabilidade económica da grande maioria das famílias cabo-verdianas. De diversas formas, a opinião pública e a sociedade civil tentaram realçar que a medida, para além de ser discriminatória, não é a mais indicada para combater a gravidez precoce. Também houve contestação por parte de sectores da classe política, mas acreditamos que muito mais podia ser feito para evitar a efectiva aplicação desta medida discriminatória.

Mais recentemente, com o caso de Ana Rodrigues, aluna convidada a suspender a sua matrícula “por motivo de parto”, a questão foi novamente trazida ao debate, tendo suscitado uma forte movimentação na blogosfera – quase meia centena de notas acerca desta medida, contando com quase duas centenas de comentários – e nos meios de comunicação social (jornais, rádio e televisão) que cada vez mais recorrem às novas Tecnologias de Informação e Comunicação, como a Internet, permitindo a difusão da informação a uma escala mais vasta e, deste modo, tendo possibilitado a participação da comunidade cabo-verdiana residente no território nacional e na diáspora num debate aceso durante o passado mês de Junho.

O Movimento pela Educação, surgido na blogosfera cabo‑verdiana e contando com o apoio de um conjunto de cidadãos/cidadãs no país e na diáspora (sendo de realçar o apoio da própria aluna Ana Rodrigues e da sua família), organizou uma petição contra a medida de suspensão temporária das alunas grávidas do ensino secundário. Esta petição já conta com quase quatro centenas de assinantes e os comentários disparam em várias latitudes. No manifesto apresentado por este movimento sobressalta as seguintes considerações:

«(...) formulamos esta reivindicação pelo direito à permanência sem uma interrupção indesejada no ensino secundário, contestando a referida medida de discriminação negativa das jovens e adolescentes grávidas. Verificamos que, tanto no ensino básico, como no secundário, já atingimos a paridade. Porém, no ensino secundário tem havido quedas da taxa de escolarização feminina, podendo ter alguma correlação com a medida discriminatória existente, sendo de realçar a grande percentagem de jovens e adolescentes mães que se encontram fora do sistema escolar. Certamente, existem outras medidas possíveis de serem aplicadas para combater a gravidez precoce, como a educação para uma saúde sexual e reprodutiva responsável. // (...) É com uma medida desta natureza que pretendemos “conciliar os princípios constitucionais de protecção da maternidade e da infância”? É desta forma que pretendemos construir uma sociedade mais justa, democrática e de respeito para com os direitos humanos? // (...) decidimos avançar com uma petição, exigindo um enquadramento especial para as alunas grávidas nas escolas secundárias, bem como um acompanhamento das mães jovens e adolescentes para prosseguirem os seus estudos. Aliás esta última exigência já foi reconhecida como sendo necessária pelo Plano Nacional para a Igualdade e a Equidade de Género (2005-2009). Queremos deixar claro que a nossa intenção não é incentivar a gravidez precoce, mas combater o possível abandono escolar e a discriminação que a referida medida de suspensão implica. Exigimos o direito à educação!»

Para além do apoio emocional e da solidariedade à Ana Rodrigues, este movimento espontâneo tem tentado incentivar o debate de diversas formas: mobilização de ideias; banner e petição online; discussão nos blogs, contando com uma divulgação internacional apadrinhada pela Global Voices, que sintetizou e traduziu para diferentes línguas; notas informativas e entrevistas para rádio e jornais, concedidas por elementos que abraçaram esta causa e pela própria Ana Rodrigues (Asemana, Expresso das Ilhas, A Nação, Liberal, Rádio Comunitária do Paul, Newshour da Rádio‑BBC e RDP‑África); organização de mesas redondas; pedido de informações institucionais, não só junto de instituições nacionais, como junto de organizações de mulheres e de defesa dos direitos humanos da CPLP e da União Europeia (contando com um manifesto de repúdio da medida saído do Congresso Feminista 2008, realizado em Lisboa, nos dias 26-28 de Junho, apoiado por um conjunto de activistas, académicos/as e ONGs). Inclusive o Fórum Mundial de Educação quer ajudar a lutar contra esta medida, propondo uma petição internacional, junto dos seus associados/as.

Em Coimbra, no âmbito da comemoração do 33º Aniversário da Independência de Cabo Verde, na mesa redonda dedicada à Mulher Cabo-verdiana Contemporânea, estudantes e investigadores/as cabo-verdianos/as argumentaram a favor de um tratamento mais humano relativamente à questão. Clara Spencer apresentou um estudo inédito, com parágrafos magníficos sobre a feminização da pobreza e a inclusão da perspectiva de género nos programas nacionais de luta contra este drama no nosso contexto. Ainda vozes como as de Katia Cardoso, Victor de Barros, Aquilino Varela, Raúl Fernandes, Odair Varela e Carlos Elias Barbosa, bem como as de Jairzinho Pereira e Roselma Évora (que agradecemos pela sua passagem pelos muros da academia coimbrã e pela sua participação nos debates) juntaram-se a esta causa.

Não podíamos deixar de referir à contribuição de alguns colunistas para chamar à atenção relativamente a esta questão. Argumentações em diferentes sentidos e de diferentes raízes disciplinares foram tecidas, aumentando a onda de contestação, que, felizmente, já não pode ser ignorada ou escondida debaixo de um tapete malcheiroso que parece colorido apenas à kms de distância. No Debate Africano da RDP‑África, programa transmitido aos domingos das 10-12h, o representante cabo-verdiano José Luís Hopffer Almada, por duas vezes, levou a questão para o debate e teceu duras críticas a esta medida, aliás parece que já o tinha feito aquando do anúncio bombástico desta discriminação. No conjunto de ideias trazidas para o debate, importa realçar uma no plano jurídico.

«Há alguns anos, quando se tomou conhecimento da medida, nebulosa medida, diga-se, de expulsão de adolescentes grávidas dos estabelecimentos de ensino secundário – eufemisticamente tratada como «medida de suspensão temporária» pelos responsáveis e alguns de seus seguidores - , tivemos a oportunidade de a considerar como a mais grave tomada no quadro do Estado de direito instituído em Cabo Verde. Ela tocava o cerne da democracia constitucional, o seu fundamento primeiro e irredutível : a afirmação da dignidade da pessoa humana. Na ocasião, dizíamos, sem qualquer ideia de simbólica hiperbolização, que a medida, nebulosíssima, insista-se – já que se mostra(?) numa roupagem jurídica quase clandestina e em jeito de instrumento repressivo camaleónico - , se revelava, desse ponto de vista de sintonia com os valores e regras do Estado constitucional, mais grave do que, por exemplo, a , então, muito discutida questão da conformidade constitucional da lei que aprovava aumentos de impostos sem uma maioria qualificada. // Agora que, mais uma vez, tomamos nota de mais um caso acontecido no Paul (torna-se claro e público, assim, que a medida continua a ser aplicada impunemente no país), reiteramos o nosso sentimento de choque. Não temos dúvidas de que ele representa um ataque muito mais raso e fundo aos princípios do nosso Estado (constitucional) de direito do que uma eventual ilegalidade ou inconstitucionalidade da chamada taxa rodoviária, objecto – significativo - de uma vigorosa campanha de contestação por parte de segmentos importantes da sociedade cabo-verdiana. // (...) a medida se revela brutal na sua desumanidade e surpreendente na sua expressão de recuo civilizacional e cultural. Depois, porque ela é adoptada de forma intencionada e perversamente sinuosa e plástica – quase ninguém sabe do que se trata: uma circular intena? Uma directiva ministerial? Um despacho normativo castiçamente verbal? -, que condiciona ou dificulta (mas não impede, naturalmente) uma sua concreta percepção para efeitos de sindicância jurisdicional (mormente em sede constitucional). Pergunta-se: por que não asumiu o Governo a intenção normativa através de decreto-lei, ou o Parlamento através de lei? (...) ela surge como uma crassa preterição de normas e princípios (válidos, a qualquer título de legitimação, procedimental, formal e material) da Constituição. A verdade é que, acima de tudo, o direito à liberdade de aprender (de educar e de ensinar) é direito fundamental e na veste de «direitos, liberdades e garantias individuais». Trata-se, pois, de direito fundamental insusceptível sequer de constituir objecto de chamadas leis restritivas de direitos. // (...) o nosso choque tem a ver também com a circunstância de poucas vozes se terem pronunciado contra medida tão bárbara quanto ilegal e, sim!, imoral.»

No dia 24 de Junho de 2008, a discussão chegou ao Parlamento. O maior partido da oposição (MpD - Movimento para Democracia), através de uma declaração política, argumentou que esta medida inconstitucional constitui uma violação dos direitos das mulheres e interrogou sobre o silêncio de algumas instituições públicas de protecção dos direitos humanos e de defesa dos direitos das mulheres. O partido no poder (PAICV - Partido Africano da Independência de Cabo Verde) apresentou as suas justificações a favor desta medida, sendo de destacar a lamentável posição da (antiga) Sra. Ministra da Educação e do Ensino Superior em defesa da maldita medida. Entretanto, tanto o PAICV, como a terceira força política no Parlamento (UCID - União Cabo-verdiana Independente e Democrata) defendem a necessidade da realização de um estudo sobre o impacto desta medida. No final da dita sessão parlamentar, muito badalada, a discussão parece que acabou por sair de fininho pela porta traseira, sem que tenha sido tomada uma decisão objectiva quanto ao caminho a seguir para pôr fim a esta discriminação.

No que se refere ao posicionamento institucional, apenas a Ordem dos Advogados e o Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG) manifestaram-se contra a medida, mas quase ninguém ouviu a voz do ICIEG. De modo geral, houve um silêncio institucional cúmplice e que questiona o próprio funcionamento das instituições (democráticas) cabo-verdianas.

Urge uma intervenção eficaz das seguintes entidades e instituições: Presidente da República; Procurador-Geral da República; Assembleia Nacional; Rede de Mulheres Parlamentares; Ministério da Educação e Ensino Superior; Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género; Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania; Ordem dos Advogados; Associação de Mulheres Juristas; sociedade civil (nomeadamente as organizações de mulheres e de defesa dos direitos humanos). E não podemos esquecer que, neste ano, estamos a celebramos o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tão bem propalada nos discursos políticos e institucionais no nosso país.


O que fazer?

Chegando nesta fase e contando com essa mobilização toda, o que podemos fazer para fomentar mais debates e exigir a revisão da medida? O caso da Ana Rodrigues que, felizmente, foi resolvido pela positiva nos motiva a continuar na nossa luta contra a medida de suspensão temporária das alunas grávidas nos estabelecimentos de ensino secundário para que nenhuma outra miúda venha a ser vítima de tamanha injustiça. Estamos optimistas e acreditamos que é possível avançar mais nesta reivindicação. Contudo, seria melhor que as instituições responsáveis pela questão fizessem uma análise desta medida e apresentasse outras medidas para o combate da gravidez precoce, mas que não prejudique a educação das nossas meninas. O que não podemos é continuar a conviver com esta medida de exclusão. BASTA!

Relativamente ao caso do Paul, o Sr. Primeiro Ministro, «José Maria Neves, assumiu que houve um equívoco» por parte da Direcção do Liceu Januário Leite. Procurou esclarecer «que não existe medida de expulsão das alunas grávidas, mas de suspensão» e acrescentou que «antes de 2001 as alunas acabavam por perder o ano por faltas e, consequentemente, o acesso ao ensino público após dois anos de reprovação». Para concluir, afirmou que, «actualmente, com a suspensão, as alunas podem retomar os estudos posteriormente sem se representar a perda do ano lectivo. Aquele governante admite que a situação vai ser revista e que a suspensão poderá ser opcional

BASTA! Não vale a pena disfarçar a medida com o discurso de que se trata de uma suspensão e que foi pensada como uma medida de protecção, muito boazinha para as alunas que são vítimas da gravidez precoce. Que seja feita uma revisão imediata, ultrapassando o mero discurso acerca da possibilidade da suspensão ser opcional! Existem outras formas de lidar com a gravidez precoce e de evitar para que as nossas meninas não percam a possibilidade de continuarem os seus estudos. Neste sentido, aproveitamos para roubar um pedaço de uma excelente crónica de protesto da historiadora Maritza Rosabal, manifestando contra essa punição e defendendo uma discriminação positiva nesta matéria, e recortes da sustentação do jurista Virgílio Brandão.

«A decisão tomada pela Escola Secundária Januário Leite, no Paul, e a carta enviada pela aluna Ana Rodrigues à Ministra da Educação e Ensino Superior mostram que se esta a agir em contradição flagrante com o que o governo vem divulgando, porque se nesta matéria quiséssemos fazer uma discriminação positiva a favor das raparigas, o correcto seria que as alunas pudessem decidir se querem continuar ou não, e independentemente da opção reconhecer o direito a uma licença de maternidade, e apoio pedagógico específico para que tenham sucesso nos seus estudos.»

«A decisão de impedir as jovens grávidas de frequentarem o ensino por estarem nessa condição é, manifestamente, uma escolha errada (o oposto da “escolha certa” que se exige dos governantes), seja quem for que a tome. Nem mesmo a Assembleia Nacional pode legislar com esse conteúdo e sentido pois a Constituição não permite a afectação do “conteúdo essencial” desse direito, liberdade e garantia fundamental de aprender; ainda que admita restrições, desde que se respeite o conteúdo essencial em consideração. // E, diga-se an passant, qualquer norma que a Assembleia nacional produzisse com esse sentido seria materialmente inconstitucional, assim como qualquer regra criada pelo executivo sofreria o mesmo vício – mas agora não somente material, mas também orgânica e formal, pois é matéria reservada à competência legislativa da Assembleia Nacional. Do mesmo modo que qualquer acto administrativo com tal conteúdo é juridicamente inexistente, assim como – nos termos em que foi feito com a cidadã do Concelho do Paul, Ana Rodrigues – constitui um crime de discriminação e de coação. // (...) Mais do que isso, o Governo deve(ria) proceder a um estudo adequado sobre esta matéria e, a seu tempo, apresentar uma proposta de lei à Assembleia Nacional em que, no âmbito de uma «escolha certa» (a decisão adequada), pondere e trate todas as questões conexas com a gravidez precoce, nomeadamente no período de formação escolar e de desenvolvimento da personalidade das jovens mulheres. // Estamos, quando falamos desta questão, a falar de direitos humanos e da sua violação grosseira pelo Estado e seus agentes. O Artigo 49º da Constituição da República de Cabo Verde (Liberdade de aprender, de educar e de ensinar) é claro no seu enunciado: 1. Todos têm a liberdade de aprender, de educar e de ensinar. / 2. A liberdade de aprender, de educar e de ensinar compreende: / a) O direito de frequentar estabelecimentos de ensino e de educação e de neles ensinar sem qualquer discriminação, nos termos da lei. // E nenhuma norma ou acto administrativo prevalece sobre esta liberdade (que é, simultaneamente, um direito e uma garantia). E a mesma Constituição estatuiu que: Artigo 16º (Responsabilidade das entidades públicas): / 1. O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis por acções ou omissões dos seus agentes praticadas no exercício de funções públicas ou por causa delas, e que, por qualquer forma, violem os direitos, liberdades e garantias com prejuízo para o titular destes ou de terceiros. / 2. Os agentes do Estado e das demais entidades públicas são, nos termos da lei, criminal e disciplinarmente responsáveis por acções ou omissões de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias. // Isto é, impedir alguém de estudar por estar grávida é, na perspectiva do legislador constituinte, um facto tão gravoso que responsabiliza civil e criminalmente tais acções do Estado e das entidades públicas. // Ora, colocada a questão nestes termos, claro resulta que uma legislação correcta, razoável e justa só pode ter uma aplicação consentânea com ela. Se ela não for correcta, razoável e justa não pode ser aplicada. E a prática de impedir as jovens mulheres grávidas de exercerem a liberdade e o direito de estudar é, claramente, injusta. // (...) Podemos procurar “estar na moda”, ter bons números para o ego e para a comunidade internacional; mas nunca, nunca seremos uma grande nação, se não formos humanos nas nossas decisões – percepcionarmos o “outro” – e não respeitarmos as nossas normas fundamentais, a nossa gente e as suas necessidades.»

Certamente, tendo em atenção toda esta movimentação à volta do caso de Ana Rodrigues, podemos falar do antes e do depois de Ana Rodrigues. Acreditamos que, se a medida continuar, ela passará a ser aplicada de forma tão subtil que ninguém vai notar a sua aplicação. Agora, é para evitar a sua aplicação subtil que queremos manter este movimento activo. Se for necessário, inclusive podemos montar equipas para denunciar publicamente casos de suspensão temporária de matrícula das alunas grávidas no ensino secundário, assegurando firmemente nos direitos consagrados no ordenamento jurídico nacional e internacional. Caso as direcções das escolas insistirem em violar a lei, as alunas grávidas podem procurar ajuda e podem denunciar o caso junto dos meios de comunicação social ou de instituições públicas.

É na sequência desta movimentação que, hoje, dia das mulheres africanas, enquanto a classe política sentada na Assembleia Nacional faz a seu jeito uma avaliação do Estado da Nação, este movimento espontâneo dá mais um passo com o lançamento deste Blog pela Educação, onde pretende juntar e divulgar um conjunto de informações contra a medida de exclusão das alunas grávidas dos estabelecimentos de ensino secundário em Cabo Verde: legislação; estatísticas nacionais e internacionais; posicionamentos de instituições e de personalidades; declarações políticas; material de imprensa; textos de opinião; reacção na blogosfera, etc. Como Cabo Verde quer estreitar laços com a União Europeia (onde o ordenamento jurídico tranca a porta contra todas as argumentações moralistas e de outras ordens que discriminam as mulheres), aproveitamos para colocar no blog o link de uma rede intergovernamental designada por Rede EURYDICE, que condensa um conjunto de informações sobre a educação no quadro da União Europeia.

Num apelo ao “Djunta-mon pela Educação”, este movimento solicita a sua colaboração e conta consigo nesta causa, que é uma causa das mulheres e dos homens que lutam por uma sociedade mais justa, democrática e de respeito para com os direitos humanos.

“Todos os direitos para todos e para todas!”
Movimento pela Educação

Direito à Educação


(I) Grávidas e escola: Sermos algo assim como
mais explícitos e exigentes?

É importante conseguir que educação assuma uma postura a este respeito, e que de facto a “medida” deixe de ser valida, pois temos necessidade de aprofundamento do processo de democratização do acesso ao ensino.

Pelo que circula e pelo que ouvimos constata-se que não existe uma postura política institucional que realmente reflicta o avanço nessa matéria. As pessoas ficam a discutir o assunto e se posicionam, em função dos estereótipos comportamentais ou em função do partido político que defendem: a actual Ministra da Educação apesar de ser publicamente conhecida pela sua vinculação à questão dos direitos humanos, na altura em que discutia-se a adopção da medida foi a favor da mesma e o ICIEG, menciona no PNIEG o facto, mas condiciona a tomada de posição a um estudo. Além disso, dizem que pronunciou publicamente no presente caso, mas deve ter sido de forma tão baixinha que quase ninguém ouviu.

Nas posições subjaz o facto da escola ser considerada um lugar sacralizado (nos recusamos a que os problemas sociais entrem, como se fosse possível pendura-los na porta de entrada como se de uma peça de vestuário se trata-se); e o facto da gravidez, ao constituir-se numa prova irrefutável do exercício da sexualidade, ofender a moral judaico cristã quando praticada fora dos marcos da conjugalidade: no tempo colonial era proibida a frequência das alunas grávidas à escola, mas essa proibição não tinha efeito caso a aluna (em causa) fosse casada.

Estive revendo novamente a Constituição e vi que o Art. 77º, (alínea 3) estabelece que “para garantir o direito à educação, incumbe ao Estado, designadamente: (a) garantir o direito à igualdade de oportunidades de acesso e de êxito escolar”.

Se invocamos esse artigo (conjugados com os do direito à educação) podemos ir um bocadinho mais a frente. Ele é vinculativo e é útil tanto para pressionar juridicamente o Ministério no sentido de eliminar a medida (por ser claramente inconstitucional), como para que crie oportunidades específicas para as raparigas grávidas, mediante o reconhecimento do direito ao gozo de uma licença de maternidade e o apoio escolar, caso seja necessário para garantir o êxito escolar delas.


(II) O discurso e as práticas

Estive consultando o Programa de Governo para 2006-2011. Encontrei este parágrafo que foi escrito para a elaboração do PND em 2001, mas que a partir de aí vem sendo reproduzido em praticamente todos os documentos oficiais sobre educação. Ele define o conceito de qualidade, partindo do paradigma de escola eficaz.

«Na senda da modernização, as mudanças deverão conferir qualidade ao sistema educativo. O conceito de qualidade engloba vectores de actuação do Governo, tais como a relevância das aprendizagens para a vida actual e futura do(a)s educando(a)s e da sociedade onde se inserem ; a eficácia ou capacidade do sistema em fazer com que a totalidade do(a)s aluno(a)s frequentem um nível de escolaridade no tempo previsto para tal; a equidade, que implica tratamento diferenciado para situações desiguais e, seguramente, mais apoio para aquele(a)s que mais o necessitam; e a eficiência ou a capacidade do sistema, em comparação com outros, atingir resultados superiores, com os mesmos ou menores recursos. A modernização pressupõe igualmente o aprimoramento das competências científicas e tecnológicas. // Neste contexto, o Governo propõe-se desenvolver programas de melhoria da qualidade e da equidade na educação, adoptando os seguintes princípios orientadores: // (i) Da qualidade, deslocando-se o foco para o processo e resultados da aprendizagem; // (ii) Da equidade, implicando uma grande sensibilidade institucional para as diferenças locais e sociais no acesso à educação, dando uma atenção especial às regiões e grupos sociais menos favorecidos…».

Como podem ver, em termos de intenções da política educativa, temos um discurso de “ponta”, contudo começa a amarelar, porque as acções não reflectem o discurso:
- Na educação pré-escolar, continua vigente (desde 29 de Dezembro de 1990), como uma nódoa indelével, uma disposição final e transitória que condiciona o acesso das crianças ao ensino básico com 6 anos, a dois anos de frequência ao jardim infantil. Esta condicionante, que vai contra o próprio conceito de educação básica, plasmado na lei (um ciclo único e autónomo, por tanto o acesso a ele não pode ser condicionado), não foi equacionada como medida, nem encontro nada referente a sua eliminação na implementação da politica educativa, o que viola o principio declarado de equidade, pois as crianças prejudicadas por esta disposição são crianças do meio rural ou do meio urbano, cujas famílias não tem condições económicas para garantir a frequência destas aos jardins infantis...

- No caso do ensino básico, que é obrigatório e universal, por um lado não se implementam novas medidas efectivas para garantir a obrigatoriedade, por outro essa obrigatoriedade está determinada pela escolaridade, e não pela idade. Neste momento se diz que vai ser alargada a obrigatoriedade de frequência até o 8º ano de escolaridade, mas pelo que estou podendo vivenciar, as questões são apenas discutidas burocraticamente sem aprofundarem na conceitualização, e sem ter uma visão holistica, pois este é o momento adequado para melhorar de facto o processo e democratizar o ensino, pelo que no podem esquecer a problemática do abandono e a faixa etária em que se produz. Também não se tem conseguido dar uma resposta minimamente eficaz a problemática das crianças com necessidades educativas especiais, apesar de falarem na questão, vão adoptando a nomenclatura internacionalmente adoptada para esta questão (por países que tem um outro percurso) ao discurso oficial, mas isto não se traduz em acções especificas ou numa discussão seria nesta matéria.

- No caso do ensino secundário existem vários factores que condicionam a igualdade. Este nível de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo é selectivo, porque está sujeito a critérios de entrada e permanência. Esses critérios se relacionam com a idade e com os resultados e claro temos ainda por cima a tal medida sobre as grávidas de 2001. Ainda funciona como um factor limitativo, os encargos da família com a frequência, entre os quais se encontram as propinas. Neste nível cada dia é maior o índice de abandono, e as causas mais invocadas são problemas económicos, desinteresse e insucesso.

A nível geral, discursivamente se fala agora na elaboração de um currículo por competências, aparecendo como a solução mágica. Novamente está-se agir sem uma discussão profunda, e o pior não se apresenta um projecto coerente, pois mudar o currículo sem mudar as condições de implementação não terá os efeitos pretendidos. Parece que estamos condenados a repetir erros: Em 1994 o currículo do ensino secundário foi desenhado tendo como base um figurino de funcionamento completamente diferente da realidade (turmas de 25 alunos, salas especializadas etc.), quando na verdade estávamos vivendo um processo de massificarão desse nível.

Por outro lado não se tomam em consideração as profundas desigualdades sociais existentes e continua-se batendo na tecla da sustentabilidade e na maior participação das famílias nos custos da educação.

Maritza Rosalbal

quarta-feira, 30 de julho de 2008

A Lei Garante...

Constituição da República

Artigo 1º
(República de Cabo Verde)
2. A República de Cabo Verde reconhece a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, sem distinção de origem social ou situação económica, raça, sexo, religião, convicções políticas ou ideológicas e condição social e assegura o pleno exercício por todos os cidadãos das liberdades fundamentais.

Artigo 23º
(Princípio da Igualdade)
Todos os cidadãos têm igual dignidade social e são iguais perante a lei, ninguém podendo ser privilegiado, beneficiado ou prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de raça, sexo, ascendência, língua, origem, religião, condições sociais e económicas ou convicções políticas ou ideológicas.

Artigo 49º
(Liberdade de Aprender, de Educar e de Ensinar)
1. Todos têm a liberdade de aprender, de educar e de ensinar.
2. A liberdade de aprender, de educar e de ensinar compreende:
a) O direito de frequentar estabelecimentos de ensino e de educação e de neles ensinar sem qualquer discriminação, nos termos da lei;
c) A proibição de o Estado programar a educação e o ensino segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.

Artigo 77º
(Direito à Educação)
1. Todos têm o direito à educação.
3. Para garantir o direito à educação, incumbe ao Estado, designadamente:
a) Garantir o direito à igualdade de oportunidades de acesso e de êxito escolar.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Excertos do Despacho

«Não obstante o empenhamento de muitas jovens gestantes em prosseguir os seus estudos, a experiência tem demonstrado que, salvo raras excepções, a maioria reprova, ficando assim diminuídas as chances de conclusão dos estudos devido aos critérios actuais de permanência no ensino secundário (duas reprovações no máximo). A tentativa de conciliação dos estudos com a gravidez tem se revelado particularmente difícil e dolorosa para as escolas, para as jovens, para os colegas e para os pais. Os efeitos nocivos desta tentativa sobre a gravidez, sobre a maternidade e sobre a vida da criança são facilmente imagináveis.»

«Por outro lado, a gravidez das alunas tem criado alguns constrangimentos no funcionamento quotidiano das escolas, uma vez que estas por si só não estão, nem podem estar em condições (nem em termos de estrutura física e equipamentos, nem em termos de apoio/aconselhamento psicológico e/ou outro) para fazer face a tal situação. Além disso, muitos professores não se encontram preparados para lidar com a situação, tendo em conta as mudanças fisiológicas, psicológicas e mentais por que passam as adolescentes grávidas.»

«(…) a suspensão temporária das alunas grávidas nos estabelecimentos de ensino, a partir do ano lectivo 2001-2002, é encarada pelo Ministério de Educação, Cultura e Desportos como uma das acções que visa conciliar os princípios constitucionais de protecção da maternidade e da infância com o da garantia, nas condições possíveis, do direito de acesso ao ensino e à formação. (…) uma oportunidade para a aluna/gestante poder, após a assunção dos deveres decorrentes da função da maternidade, retomar os seus estudos.»

Orientações Gerais para uma Melhor Gestão
da Questão da Gravidez nas Escolas
,
emitido do Ministério da Educação, Cultura e Desportos.